Análise de ícones visuais e personagens de marcas

Fonte: Mundo do Marketing 25 Nov 15

Personagens de marcas estão presentes em nossas vidas há muito tempo. Eles começaram a ser desenvolvidos em uma época em que pouco se falava de Branding ou de processos estruturados de gestão de marcas. Ainda assim, mesmo que intuitivamente, a criação destas figuras ajudou as marcas a se conectarem aos seus consumidores.

No meio do século XIX algumas marcas já começavam a utilizar figuras, reais ou fictícias, para explorar melhor seus atributos. O caso da Quaker, tido como o personagem mais antigo da história, é emblemático. A criação do personagem “Senhor Quaker” em 1877, foi inspirada em uma figura humana de uma comunidade religiosa chamada “The Quakers”. Esta comunidade era famosa na época por seus hábitos saudáveis de alimentação, algo que se conectava fortemente aos objetivos da nova empresa.

Na mesma época, em meados de 1890, a marca Michelin fez algo ainda mais ousado e criou um personagem fictício. A ideia surgiu quando um dos fundadores da empresa se deparou com uma pilha de pneus e imaginou que seria possível criar um personagem para sua marca. Pouco tempo depois, com a ajuda de um desenhista, nascia o famoso “Bibendum”.

Apesar de terem sido criados por empresas diferentes, os dois casos acima tem algumas similaridades, mas também grandes diferenças no processo de gestão de seus personagens. Na marca Quaker, o personagem foi mantido mais como um elemento identificador, com o objetivo de gerar lembrança, mas muito pouco explorado em sua personalidade. Hoje em dia, a antiga história por trás do logo, e a suposta associação com hábitos saudáveis perdeu relevância e não consegue mais transferir tais atributos.

Quaker

Por outro lado, o “Bibendum” da Michelin, além de ser utilizado como elemento identificador exclusivo, ganhou vida, e passou a fazer parte da vida de seus consumidores. É comum vê-lo em filmes publicitários, anúncios, participando de eventos, ou até mesmo como bonecos nas antenas de caminhões. Mais de 120 anos se passaram desde a sua criação, e o personagem continua atual. “Bibendum” segue presente como um grande companheiro de viagens de seus consumidores.

Michelin Michelin

Michelin

Os dois exemplos deixam claro que há diferentes caminhos para explorar a força dos personagens. Tudo depende do que a marca deseja construir de associações, e de como o personagem será utilizado para gerar valor percebido junto ao consumidores.

Abaixo alguns modelos de utilização de personagens pela marcas, seguidos de exemplos.

PERSONAGENS COMO ÍCONE VISUAL:

Assim como o exemplo de Quaker, há inúmeros casos nos quais o personagem está presente na própria estrutura de design de seu logo. Estes personagens, em formato de ícones visuais, podem ser animais, figuras fictícias, ou até mesmo a imagem dos fundadores das empresas. O objetivo, nestes casos, é o de garantir um elemento identificador forte, que possua alguma relação com a categoria, com o público-alvo, ou ainda, com os produtos que a marca oferece.

A marca Pringles de batatas chips, utiliza o personagem intitulado “Mr. Pringles” como ícone visual de seu logo. Aparentemente, não há relação entre o personagem e a categoria, tampouco há peças de comunicação da marca que, de fato, ajudem a construir uma personalidade para Mr. Pringles. Neste caso, tudo indica que o personagem é explorado somente como um identificador exclusivo da marca.

Pringles

A rede brasileira Casa do Pão de Queijo também trabalha um personagem em sua identidade visual. A imagem presente no logo representa a mãe do fundador, e criadora da famosa receita. Ao colocar a Vovó Arthêmia com ares de cozinheira, a marca visa explorar sua relação direta com a categoria de alimentos. Como resultado desta estratégia, a marca consegue criar um elemento identificador proprietário e ainda constrói valor, associando-se com imagens que remetem ao acolhimento, ao caseiro, e ao sabor de seus produtos.

Casa do Pão de Queijo

Apesar dos exemplos acima serem de marcas de enorme sucesso, a força de seus personagens é relativa. Na verdade, estas marcas possuem uma alta capacidade de diferenciação graças aos seus desenhos exclusivos, e que lhes garantem níveis altos de lembrança. Do ponto de vista de personalidade, seus personagens são frágeis.

Outros exemplos de marcas que utilizam personagens como ícones visuais de seus logos:

– Panco – Panificadora

– Puma – Artigos Esportivos

– Nestlé Moça – Leite Condensado

 

PERSONAGENS COMO ELEMENTO COMPLEMENTAR DA MARCA:

Um modelo mais flexível de trabalhar o uso de personagens é utilizá-los como elemento complementar da marca. Algo feito por marcas como Sadia e Duracell. Diferente do modelo descrito anteriormente, no qual os personagens são concebidos em conjunto com as marcas, este modelo é utilizado por empresas que desenvolvem seus personagens em um segundo momento, normalmente com um objetivo estratégico claro. Desta forma, grande parte delas já cria o personagem com o propósito de construir associações para a marca.

O caso de Sadia demonstra a criação de um personagem à partir de estratégias de negócio. Idealizado na década de 1970, o personagem do frango com capacete de motociclista foi criado para ajudar a marca a vender uma nova categoria, a de produtos prontos congelados. Com a necessidade de transmitir agilidade e praticidade da vida moderna, foi criado o personagem “Lequetreque”. O sucesso foi tão grande, que já na década de 80, ele passou a ser utilizado como personagem oficial da marca Sadia.

Sadia

Um outro exemplo interessante de uso de personagem como elemento complementar é o da marca Duracell. Com o objetivo de construir atributos funcionais de superioridade para suas baterias, a marca criou o personagem “Bunny”, representado pela figura de um coelho, um animal símbolo de longevidade e velocidade.

Trata-se de um personagem que não está ligado diretamente à identidade visual de Duracell. Com isso, os gestores da marca tem maior liberdade de decidir quando, e onde utilizar seu mascote.

Duracell

Outros exemplos de marcas que utilizam personagens como elemento complementar:

– Paçoquita – Doce de Amendoim

– Fofo – Amaciante

– Treloso – Biscoitos Infantis

– Bimbo – Panificadora

– Casas Bahia – Varejo

 

 

PERSONAGENS PARA CONSTRUIR PERSONALIDADE DE MARCA:

Assim como a Michelin citada acima, há outras marcas que trabalham seus personagens em níveis mais avançados de gestão. Toddynho e M&Ms são alguns exemplos de marcas que constroem seus personagens de maneira consistente, alinhados com as estratégias de negócio, e com fortes características de personalidade.

A marca Toddynho é uma referência de construção de relacionamento com seu público. Ao criar uma bebida láctea, pronta para beber, e com valor nutricional, a marca atingiu em cheio as mães de seus consumidores. O uso do personagem Toddynho serviu para envolver o público infantil em histórias de aventura e fantasia, resultando em uma marca com forte ligação emocional. Os altos índices de preferência e fidelidade de compra da marca, são o resultado de um processo de identificação de características comportamentais do público, e de um consistente trabalho de construção de personalidade para o personagem. Toddynho é imaginativo, brincalhão, alegre, aventureiro, amigo e companheiro. Um amigo que toda criança gostaria de ter!

Toddynho

Talvez o trabalho mais bem feito de construção e gestão de personagens seja o da marca de confeitos de chocolate M&Ms. Criados na década de 50, e graças a um trabalho primoroso de construção de identidade, os personagens “Mr. Plain” (Vermelho) e “Mr. Peanut” (Amarelo) rapidamente ganharam a simpatia do público. Nos anos seguintes, novos personagens foram lançados com diferentes personalidades – 1995 – Azul / 1997 – Verde / 1998 – Laranja / 2012 – “Ms Brown”.

M&Ms

A ligação emocional dos personagens com seus consumidores permitiu a ampliação da atuação da marca para várias categorias. Lojas temáticas M&M’s WORLD espalhadas pelo mundo vendem mais de 4 mil itens relacionados aos personagens, como camisetas, canecas, mochilas, bonecos de pelúcia, chaveiros, gerando resultados financeiros efetivos para a empresa Mars, detentora da marca.

Abaixo mais alguns exemplos de marcas que utilizam personagens como parte da personalidade de suas marcas:

– Sucrilhos – Cereal Matinal

– Cofap – Amortecedores Automotivos

– Nestlé Chamyto – Bebida Lactea

– Go Daddy – Hospedagem de Sites

 

Sem dúvida nenhuma, não é fácil construir personagens tão complexos do ponto de vista de personalidade como fazem as marcas citadas acima. Fato é que, uma vez que seus mascotes se conectam emocionalmente com seus consumidores, eles constroem sentimentos, tornando-se queridos e muito mais relevantes. Estes vínculos dificilmente são abalados por uma marca concorrente, o que cria uma vantagem competitiva real, e muito superior àquelas marcas que só trabalham seus personagens como ícones visuais.

Personagens são ativos das empresas, e requerem estudos para sua criação além de processos claros de gestão. Apesar de muito simpáticos, alegres e divertidos, cuidar deles pode dar mais trabalho do que se imagina.  

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